A redução da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) nas operações interestaduais com produto importado por
meio de resolução do Senado, como quer o governo, terá pelo menos três
supostas inconstitucionalidades apontadas pelo relator na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ), Ricardo Ferraço (PMDB-ES).
Como Ferraço, senadores de Estados prejudicados pela medida estão
reforçando o questionamento jurídico da proposta, já que o debate
econômico está perdido. Além do governo, há forte lobby do setor
produtivo pela aprovação. O objetivo da proposta é combater a guerra
fiscal na importação, apontada pelo setor como uma das causas da
desindustrialização.
Segundo estudo técnico nas mãos de Ferraço, a redução da alíquota
(de 12% para 4%, segundo as negociações) exigiria lei complementar. A
Constituição permite que resolução do Senado -que passa por apenas essa
Casa- fixe alíquota de tributo interestadual. Mas, quando envolver
concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais por Estados
(artigo 155, parágrafo 2º, XII, "g"), a regulação é por lei
complementar, que exige aprovação por Câmara e Senado, com maioria
absoluta dos votos.
"O que se quer é utilizar a alíquota interestadual como instrumento
para atingir outro objetivo: interferir na concessão de incentivos e
benefícios do ICMS", diz Ferraço, contestando a alegação do governo de
que a resolução apenas fixa alíquota. O relator cita decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) segundo a qual "o perfil nacional" do ICMS
"justifica a edição de lei complementar nacional, vocacionada a regular
o modo e a forma como os Estados, sempre após deliberação conjunta,
poderão, por ato próprio, conceder e/ou revogar isenções, incentivos e
benefícios fiscais."
A segunda suposta inconstitucionalidade do projeto é, segundo o
estudo técnico, dar a produto importado tratamento diferenciado do
nacional. Esse critério de "discriminação" é vedado pelo artigo 152 da
Constituição. Esse dispositivo é violado em outro ponto, segundo o
relator: a fixação de alíquota com base na procedência (se nacional ou
importado) e não na natureza da mercadoria ou serviço.
Senadores de Estados prejudicados pela medida conseguiram incluir
juristas nas audiências públicas destinadas à discussão do assunto, nos
dias 20 e 22. Participarão os advogados Hamilton Dias de Souza, Roque
Carrazza e Luis Roberto Barroso.
"Reconhecemos que a guerra fiscal tem de acabar, mas não pode ser
por resolução do Senado. Queremos que prevaleça a segurança jurídica e
a garantia de que tudo o que foi contratado prevaleça. Há empresas
investindo nos Estados e com programação de investimento até 2020. Não
podem puxar o tapete delas de repente", diz o líder do DEM, Demóstenes
Torres (GO).
Luiz Henrique (PMDB-SC) é um dos senadores cujos Estados concedem
benefícios à importação e serão prejudicados. Ele diz que a discussão
está "desfocada", porque diz respeito à federação. Ex-governador de
Santa Catarina, afirma que é preciso discutir se a fixação dessa
alíquota pode ou não ser feita por resolução e se não afeta o princípio
da anualidade.
Pedro Taques (PDT-MT) defende o fim da guerra fiscal, que considera
prejudicial à indústria nacional, mas afirma ter "dúvidas" sobre a
possibilidade de a alíquota do IMCS ser reduzida por meio de resolução
do Senado. "Quero ouvir os juristas. Ninguém é dono da verdade."
A proposta que o governo quer aprovar reduz de 12% para 4% a
alíquota de ICMS dos bens e mercadorias importados do exterior,
destinados a outro Estado. Com essa tributação, os Estados perdem
margem para conceder benefícios fiscais para atrair empresas a
importarem por seus territórios.
A proposta original, apresentada pelo líder do governo, Romero Jucá
(PMDB-RR), era diferente. Fixava alíquota de 0% do ICMS nas operações
interestaduais de importação, transferindo a tributação exclusivamente
para o Estado em que se der o consumo.
Desde o princípio, Jucá dizia que seu projeto era apenas para
iniciar o debate. Mais tarde, em parecer na Comissão de Assuntos
Econômicos (CAE) - não votado-, o senador Delcídio Amaral (PT-MS)
propôs redução gradual até 2%, a partir de janeiro de 2015.
Para Ferraço, o governo "mira numa direção e vai acertar em outra".
Para ele, o aumento da importação não se deve aos incentivos fiscais, e
sim à taxa de câmbio e o crescimento econômico. Segundo o relator, com
o fim da guerra fiscal, o país continuará importando a mesma
quantidade, mas haverá "concentração brutal" das importações em São
Paulo.