A ampliação das medidas protecionistas pela Argentina desde
fevereiro derrubou a exportação brasileira para aquele mercado em
22,5%, descontados dois itens: energia e automóveis. Os dados são da
Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do
Desenvolvimento (Mdic) e consideram a variação da média diária em
relação a fevereiro de 2011. A exportação brasileira para o país
vizinho somou US$ 1,7 bilhão no segundo mês de 2012, o que significa,
na média diária, elevação de 10,6% em relação a fevereiro do ano
passado. O governo avalia, porém, que o valor total foi distorcido pela
venda de energia elétrica aos argentinos.
Tirando apenas a energia da pauta de exportação, houve queda de
9,43% na média diária do valor exportado à Argentina, desempenho que
contrasta com a elevação média diária de 13,3% na exportação do Brasil
ao mundo inteiro no mesmo mês. Em fevereiro do ano passado, o país não
vendeu energia aos argentinos.
Tatiana Prazeres, secretária de Comércio Exterior, diz que a redução
reflete as dificuldades em razão das medidas protecionistas. "Segmentos
que comumente não têm dificuldades com barreiras argentinas começaram a
se manifestar, como o de carnes suínas e o de produção de papel."
Segundo a Secex, a exportação de carne suína para o país vizinho em
fevereiro somou US$ 1,5 milhão, com queda de 81,5% sobre o mesmo mês de
2011. Entre os produtos da indústria papeleira que apresentaram redução
no valor embarcado em fevereiro estão o papel e cartão para escrita,
que tiveram queda de 37,3%, e o papel e cartão kraft, com redução de
20,7%. Segundo Tatiana, as dificuldades foram levadas à autoridade
argentina com quem o governo brasileiro mantém contato constante. Os
números mostram outros produtos afetados, como calçados, produtos
têxteis e chocolates (ver tabela).
Para José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de
Comércio Exterior do Brasil (AEB), o desempenho da exportação sem a
energia elétrica e os automóveis mostra a influência das novas medidas.
"O setor automotivo demora para ter exportações mais afetadas porque há
muita integração entre as fábricas mantidas pelas montadoras nos dois
países." Uma exportação menor para a Argentina, diz, significa também
menor importação brasileira de carros argentinos e também menor
ocupação e emprego no país vizinho.
Desde fevereiro o governo argentino dificultou a importação ao
adotar, além das licenças não automáticas que já vinha aplicando, a
exigência de uma declaração jurada, documento no qual o importador
argentino declara os desembarques que pretende fazer em determinado
período.
Sem muitas dificuldades para vender aos argentinos até janeiro, o
setor de carne suína viu o cenário mudar no mês seguinte. Levantamento
da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne
Suína (Abipecs) registrou queda de 85% no volume exportado para a
Argentina após a medida protecionista. Em fevereiro de 2011 o setor
vendeu 3.183 toneladas para o país vizinho. No mesmo mês deste ano, o
volume não passou de 478 toneladas. Em janeiro, os argentinos compraram
4,27 mil toneladas, um aumento de 18,6% em relação a janeiro de 2011.
A queda abrupta levou o setor a se reunir, no começo de março, com o
ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro Filho. "Reclamamos ao governo
brasileiro, que deve ir nesta semana a Buenos Aires para tentar
acelerar as licenças," afirma o presidente da Abipecs, Pedro de Camargo
Neto. A retenção de produtos na fronteira e a dificuldade em entrar na
Argentina vinham ocorrendo há alguns meses, conta. Fevereiro, porém,
surpreendeu. "Não exportamos quase nada, pois o mercado está
praticamente fechado. Nunca tinha acontecido nesse porte."
"Está um caos exportar para a Argentina", diz Heitor Klein, diretor
da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados). "Os
exportados não conseguem informações sobre como obter documentos. Não
se sabe se é preciso fazer primeiro a declaração jurada ou licença, por
exemplo." Segundo dados da entidade, desde o início de janeiro não
houve liberação de nenhuma licença programada para o período. As
licenças que foram concedidas em 2012 ou os embarques realizados,
explica, se referem a períodos anteriores.
Para Rodrigo Branco, economista da Fundação Centro de Estudos do
Comércio Exterior (Funcex), a política argentina para tentar reduzir
desembarques resulta de um problema maior que o comércio exterior. Sem
poder captar crédito no mercado internacional desde 2001, quando deu o
calote na dívida, a Argentina tem dificuldades em captar investimento
estrangeiro direto para fechar a balança de pagamentos, deficitária.
Somado a isso, a balança de serviços também vem fechando no vermelho,
com mais dólares saindo do que entrando no país. "O governo está
engessado nessa área. Uma das únicas formas em que eles podem mexer
para equilibrar as contas é o comércio exterior", afirma Branco.
No ano passado, os argentinos obtiveram superávit comercial de US$
10,3 bilhões. Não fosse o Brasil, a conta ficaria mais azul. Em 2011 os
argentinos tiveram déficit de US$ 5,8 bilhões no comércio bilateral.
Por isso, as medidas atuais são uma estratégia da Casa Rosada para
manter em 2012 o superávit do ano passado. "A balança de pagamentos
deficitária causa a redução das reservas internacionais, que já caiu
nos últimos anos e hoje está perto de US$ 48 bilhões", diz. O Brasil,
por exemplo, tem reservas em torno de US$ 350 bilhões.
Na quinta-feira o governo argentino anunciou a liberação, em 15
dias, das importações presas desde agosto, por conta de licenças não
automáticas vencidas e sem renovação. Segundo o diretor de relações
institucionais da Câmara dos Importadores da Argentina (Cira), Miguel
Ponce, a comunicação foi feita pela Secretaria de Comércio Exterior na
quinta, quando a fábrica argentina da Fiat iniciou paralisação de
produção até hoje, por falta de insumos. Segundo Ponce, a liberação
deverá sanar 90% dos problemas de suprimento da indústria. Os 10%
restantes, segundo ele, são relacionados à apresentação da declaração
jurada exigida desde fevereiro. Ponce frisou que a liberação anunciada
não está relacionada com a nova norma.