Relatório técnico do Tribunal de Contas da União (TCU) quer que os
quatro maiores terminais privativos de contêineres do país comprovem,
em até 90 dias, o equilíbrio entre a movimentação de cargas próprias e
de terceiros. Do contrário, devem ser abertos a licitação. O parecer é
da Secretaria de Fiscalização de Desestatização e Regulação (Sefid),
para quem as outorgas das empresas Cotegipe (BA), Portonave, Itapoá
(SC) e Embraport (SP) "carecem de amparo legal". Segundo a unidade
técnica do TCU, os terminais foram autorizados como privativos, mas
operam principalmente cargas de terceiros, caracterizando prestação de
serviço público - o que exigiria prévia licitação. As empresas
receberam os termos de autorização para explorar porto da Agência
Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Juntas, já investiram R$
3,6 bilhões.
O presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários
(ABTP), Wilen Manteli, acredita que, se aprovada pelo plenário do TCU,
a tese de licitar os terminais privativos significará rasgar a
Constituição. "Como vai licitar um terreno cujo proprietário é o
titular do terminal? Acabou o direito adquirido neste país." A ABTP
reúne tanto terminais de uso público como privativos.
A conclusão da Sefid, de 20 de abril, foi encaminhada ao relator do
processo, ministro Raimundo Carreiro. Segundo o TCU, o ministro poderá
solicitar alguma informação ou diligência complementar ou incluir o
processo na pauta para julgamento. Não há, contudo, data marcada para
tanto. A questão é tão espinhosa que há quatro anos corre no Supremo
Tribunal Federal (STF) uma ação ajuizada pela Associação Brasileira dos
Terminais de Contêineres de Uso Público (Abratec) contra a Antaq. O
último movimento foi em 2010, quando o STF deferiu pedido das empresas
para se manifestarem nos autos.
O processo do TCU é fruto de uma denúncia sobre irregularidades na
exploração de terminais privativos feita em 2009 pela Federação
Nacional dos Portuários, que afirma haver "assimetria concorrencial"
entre as duas modalidades. Além de precisar passar pelo crivo dos
leilões, as empresas que arrendam portos públicos têm de devolver o
ativo à União em até 50 anos, o que não ocorre com os privativos, que
têm a propriedade da terra.
Os terminais de uso público também precisam cumprir regras que são
dispensadas aos privativos. Entre elas estão a contratação obrigatória
da mão de obra de um órgão gestor e o pagamento de tarifas à autoridade
portuária.
A exploração portuária pela iniciativa privada foi consagrada na Lei
dos Portos, de 1993. A legislação estipulou dois tipos de operação: a
de uso público, cujo arrendamento se dá por meio de licitação, e a de
uso privativo, que dispensa a concorrência pública. Os terminais
privativos podem ser de uso exclusivo ou misto. Nesse último caso, são
autorizados a operar cargas próprias e de terceiros. Hoje, o governo
diz que o espírito da lei ao criar os terminais privativos de uso misto
era permitir a movimentação de cargas de terceiros apenas de maneira
acessória, evitando ociosidade da instalação quando não houvesse
escoamento da produção própria. Mas o legislador não escreveu isso. E
como a lei não fixou proporção para operação de cada tipo de carga,
abriu-se uma brecha para terminais privativos operarem como públicos.
O governo só conseguiu fechar a brecha em 2008, com a edição de um
decreto que condicionou a autorização de instalações privativas mistas
à preponderância das cargas próprias sobre as públicas. Mas o texto
também não especificou os critérios dessa preponderância (por exemplo,
volume ou valor), pavimentando o caminho para mais embate na Justiça.
O decreto de 2008 isentou as empresas autorizadas antes dele de
cumprirem a exigência de proporção. Mas a Sefid entende que essa
dispensa não deve valer, pois a lei que criou a Antaq, em 2001, diz que
a empresa autorizada não tem direito adquirido.
O relatório mostra que a Portonave (do grupo Triunfo) escoa 3% de
cargas próprias e 97% de terceiros. O terminal de Cotegipe (do grupo
TPC), opera 12,3% e 87,7%, respectivamente. Os dados são de 2010, por
isso faltam informações sobre Itapoá (do grupo Battistella, LOGZ
Logística Brasil e Aliança Navegação), inaugurado em 2011, e sobre a
Embraport (da Odebrecht Transport, DP World e grupo Coimex), ainda em
construção.
Dos 114 terminais privativos em operação no país, sete são
exclusivos e 107 mistos. Segundo o TCU, 54,20% dos terminais privativos
mistos movimentam mais de 50% de cargas próprias e 31,78% dos terminais
movimentam mais de 50% de cargas de terceiros.
A Antaq contratou um estudo da Universidade de Brasília para
identificar se efetivamente ocorre assimetria concorrencial entre os
terminais privativos e os públicos. Mas, para a Sefid, esse tipo de
estudo é "dispensável" no que se refere à questão da legalidade. "Os
terminais de uso privativo misto estão atuando de forma ilegal e
irregular, pois foram desvirtuados para movimentar prioritariamente
carga pública."