Apesar de ser o país com a menor taxa de pirataria de software da
América Latina e dos Brics, o Brasil poderá ser afetado com as novas
leis dos Estados americanos de Washington e Lousiana, que impedem a
entrada de produtos fabricados e comercializados com a utilização de
software não licenciado em qualquer etapa da cadeia. Isso ocorrerá se o
Brasil não impor penalidades mais rígidas contra a cópia e uso de
aplicativos ilegais, segundo especialistas que participaram ontem do
seminário "Inovação, Competitividade na Exportação de Manufaturados e
as Leis da Concorrência Desleal", promovido pelo Valor.
Para advogados e representantes do setor de software, as leis
brasileiras que tratam do assunto já são suficientes para conter o
crime. Entretanto, precisam ser aplicadas com maior eficiência e
rapidez. "Precisamos de punições mais severas e divulgação. Quem for
legal no Brasil também será no comércio exterior", disse Gérson
Maurício Schmitt, presidente da Associação Brasileira das Empresas de
Software (Abes), que representa 85% do setor.
A lei americana "Sale of Products - Stolen or Misappropriated
Information Technology" impede que um fabricante de brinquedos na
China, por exemplo, venda seus produtos a lojas americanas caso utilize
software ou hardware pirata. Em caso de fiscalização, toda a cadeia de
consumo pode sofrer punições. Em Washington e Lousiana, a norma passou
a vigorar há menos de um ano. Em outros 30 Estados americanos, a medida
tem sido aplicada a partir de leis gerais de concorrência desleal.
"As medidas têm o objetivo de proteger a concorrência justa. Elas
afetam todo o mercado mundial", afirmou o advogado Eduardo Caminati,
sócio do escritório Lino, Beraldi, Belluzo e Caminati Advogados.
Segundo ele, o uso por um fornecedor de um Excel não licenciado já
geraria barreiras à entrada de suas mercadorias nos Estados Unidos. "É
uma medida, em certo grau, protecionista, que vai ecoar aqui."
Durante o seminário, especialistas apontaram, no entanto, que o
endurecimento das regras de comércio é uma oportunidade para o Brasil.
"Essa é nossa chance de criarmos mecanismos de proteção [aos bens
intangíveis] e atingirmos vantagem competitiva frente a nossos
concorrentes", disse Schmitt, acrescentando que denúncias de
fornecedores, ex-funcionários e dos próprios concorrentes podem gerar
fiscalizações pelos órgãos de controle.
Segundo dados da Abes, o índice de pirataria de software no Brasil
caiu de 91%, em 1999, para 54% em 2010. É a menor entre os países da
América Latina e dos Brics. Entretanto, a taxa é alta se comparada à
média mundial (30%) e o índice americano (21%). "Ainda assim, é um dado
a nosso favor, e devemos tirar proveito disso", afirmou a representante
da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Diana de Mello Jungmann,
coordenadora de propriedade intelectual para inovação da indústria.
Os especialistas defenderam que, para sair na frente e diversificar
a pauta de exportação com a venda de produtos de maior valor agregado,
as empresas brasileiras devem ter maior controle sobre a regularidade
dos produtos de informática utilizados. "Os softwares estão em todos os
setores da economia", disse Schmitt. De acordo com o presidente da
Abes, as cerca de 1.180 empresas associadas calcularam prejuízo de US$
4 bilhões com pirataria no ano passado.
Diante do problema, é necessário rever as sanções previstas nas leis
de direito autoral, propriedade intelectual e software para a cópia e
uso de programas piratas, afirmou Eduardo Caminati. Na opinião do
advogado, as penalidades contra concorrência desleal são leves, variam
de três meses a um ano de prisão. No caso de cópia e uso de software
ilegal, a pena chega a quatro anos e multa de até 20 mil vezes o valor
do aplicativo original. Além disso, segundo o advogado, o Judiciário
precisa ser mais rápido na análise de disputas em um setor econômico
cuja inovação tecnológica é uma das mais rápidas da economia.
Questionados sobre a possibilidade de o Brasil editar uma lei
semelhante a dos Estados americanos, advogados que participaram do
seminário afirmaram que esta é a tendência natural para proteger a
indústria nacional. "O cenário internacional mostra que teremos
novidades legislativas em relação à propriedade intelectual", disse
Caminati.
Diana de Mello Jungmann, da CNI, concorda, embora acredite que a
discussão ainda é muito incipiente. "Só não podemos perder a aplicação
dessa lei americana de vista", afirmou, acrescentando que "é muito
provável" que esteja na pauta futura da CNI a possibilidade de se
desenvolver um trabalho de conscientização com os exportadores para o
uso de softwares licenciados.
A Abes já iniciou uma campanha nesse sentido, batizada de Exporte Legal (www.exportelegal.com.br),
que apoia as empresas que trabalham para legalizar seus aplicativos e
ganhar o mercado externo. "Estamos nos adiantando para ganharmos
competitividade", disse Schmitt.