O cancelamento do acordo de livre comércio de produtos automotivos do
Brasil com o México, decidido (mas ainda não oficializado) pela
presidente Dilma Rousseff, gerou forte reação de empresários do setor e
do governo mexicano, e estimulou autoridades brasileiras a defender
alternativas, como a simples revisão, segundo apurou ontem o Valor.
Representantes de montadoras pretendem tratar do assunto hoje com o
secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, com quem
têm uma reunião convocada originalmente para discutir o novo regime de
incentivo ao setor automotivo.
A decisão de denunciar (cancelar) o acordo com o México foi a
maneira encontrada pelas autoridades brasileiras para forçar os
mexicanos a rever radicalmente os termos do comércio bilateral. A
medida faz parte das iniciativas para tentar enfrentar a deterioração
prevista nos resultados do comércio exterior deste ano, e atende também
a uma reivindicação de líderes sindicais com trânsito no Palácio do
Planalto.
O
acordo com o México foi classificado como "prejudicial ao país", pelo
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Sérgio Nobre,
que, no ano passado, teve encontros com Dilma e com os ministros da
Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, a quem
pediu imediata revisão das regras de comércio com os mexicanos.
"Pedimos uma revisão, mas se acabar esse acordo, soltaremos fogos",
disse Nobre, ao Valor.
Uma autoridade ligada à discussão do assunto comentou ontem, que o
governo aceitaria, após o cancelamento (previsto nos termos do acordo,
desde que anunciado com 14 meses de antecedência) sentar novamente à
mesa de negociação com os mexicanos para discutir outro acordo, em
novos termos. Um ponto considerado inaceitável, no Planalto, é o item
que isenta de imposto de importação os veículos com conteúdo mínimo
local de 35%, bem abaixo das exigências feitas a carros fabricados no
Mercosul.
Na falta de uma determinação oficial para a denúncia do acordo, os
ministérios, ontem, evitaram manifestação formal sobre o assunto, e se
limitavam a informar que o tema está em "estudos" no governo. De volta
da viagem a Cuba e Haiti, envolvida com a substituição do ministro das
Cidades, Mário Negromonte, Dilma, até o início da noite, não tinha
discutido com os auxiliares o que fazer.
Um alto executivo de uma das maiores montadoras do país comentou ao Valor
que a medida, se confirmada oficialmente, afetará as decisões de
investimento das empresas "na quantidade e na qualidade". O temor de
mudança nas regras poderia levar as companhias a reduzir o interesse no
Brasil e dar prioridade aos também crescentes mercados asiáticos. As
sucessivas medidas protecionistas no Brasil tornam cada vez mais
difícil explicar a política econômica às matrizes, comentou o
executivo. Em vez de restrições ao comércio, o país deveria atuar sobre
fatores como os tributos, que têm feito o Brasil perder competitividade
em relação a mercados como o México, argumentam os empresários.
As autoridades brasileiras duvidam que as montadoras percam
interesse em um mercado dinâmico e crescente como o do Brasil. Não é o
que dizem os executivos dessas empresas. Um deles chegou a comparar os
futuros investimentos à "sacola do rapa", com produtos de menor
qualidade, que camelôs carregam para áreas com risco de intervenção de
fiscais.
Os dados do Ministério do Desenvolvimento sobre o comércio
confirmam, porém, o argumento dos empresários, de que a interrupção do
acordo com o México poderá ter efeito inverso ao que deseja o governo,
ao afetar duramente o setor de autopeças, que teve aumento de 17% nas
vendas no ano passado e chegou a exportar ao México mais de US$ 1
bilhão, cerca de US$ 670 milhões a mais do que o Brasil importou
daquele país, nesses produtos. Um integrante de alto escalão da área
econômica reagiu ao argumento com a previsão de que o futuro regime
automotivo deverá aumentar o consumo de autopeças fabricadas no Brasil.
Somados às divergências comerciais com a Argentina, que têm
provocado retenção de automóveis nas fábricas, com custos financeiros
imprevistos às montadoras, a decisão de romper o acordo com os
mexicanos joga um "véu de incerteza" sobre os acordos do Brasil, que
vinham funcionando como atração de investimentos, argumenta o executivo
- que, ontem, teve confirmada, por telefone, a intenção do governo de
cancelar o livre-comércio automotivo com os mexicanos. Mesmo sabendo
ser uma decisão da própria Dilma Rousseff, os empresários tentam marcar
uma reunião com ministros, para evitar o rompimento e estimular uma
revisão negociada do acordo.