A unificação da alíquota interestadual do Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre importados deve dar origem a
novas discussões entre os Estados. Para especialistas, o texto da
Resolução do Senado nº 13, que estabeleceu a alíquota de 4% nessas
operações, deixa margem para concessão de novos incentivos fiscais
pelos Estados ou para planejamento tributário pelas empresas.
Claudio Trinchão, coordenador dos Estados no Conselho Nacional de
Política Fazendária (Confaz), diz que pontos importantes resultantes da
resolução devem ser regulamentados e começarão a ser discutidos no
grupo técnico do órgão nas próximas semanas. "Essas questões são
contundentes e demorarão para ser definidas, porque os Estados com
certeza terão entendimentos antagônicos."
Uma das questões que têm levantado dúvidas é se a alíquota de 4% é
aplicável somente na primeira venda interestadual ou se nas
subsequentes também.
Para a advogada Ticiana Carneiro da Cunha, do Machado Associados,
essa é uma das questões que devem passar pelo Confaz. Ela acha que o
órgão deverá definir se as vendas seguintes devem seguir a alíquota
única ou as alíquotas para as demais operações: de 7% ou 12%, conforme
o destino.
Caso seja aplicável a alíquota de 4% em toda as operações
interestaduais da cadeia de comercialização do importado, surgem outras
questões que podem causar conflitos entre os Estados, diz Ticiana. A
advogada lembra que, segundo a resolução, a alíquota unificada é
aplicável a mercadorias com conteúdo de importação superior a 40%. E
esse conteúdo é calculado com base na fatia que o valor da parte
importada representa do valor total de revenda do produto.
O problema, explica Ticiana, é como as empresas da cadeia de
comercialização que façam as vendas interestaduais vão ter acesso ao
valor de importação. "E essa informação é importante para calcular o
'conteúdo de importação' e também para aplicar a alíquota correta da
operação interestadual." Sem isso, a empresa fica sem segurança para
fazer o recolhimento do imposto interestadual e, caso decida pela
alíquota de 4%, pode ser questionada pela Fazenda do Estado de origem.
"Se a escolha for pela alíquota de 12% a empresa pode ser questionada
pelo Estado de destino, que não aceitará o crédito nesse percentual."
Alessandra Craveiro, sócia do Guerra Doin & Craveiro, acredita
que a alíquota de 4% seja aplicável somente na primeira operação
interestadual. Nesse caso, porém, surge uma brecha para novo incentivo
fiscal que, na prática, permitirá ao produto importado continuar a ter
carga tributária menor do que o fabricado nacionalmente. Isso
aconteceria por meio de um benefício de ICMS concedido não mais pelo
Estado da importação, mas sim pelo Estado de revenda da mercadoria.
Por exemplo, uma mercadoria importada pelo Estado de Santa Catarina
e que tenha a primeira operação interestadual de venda ao Estado de
Goiás. Essa operação é tributada a 4%, mas a Fazenda de Goiás pode
conceder um crédito presumido para ser abatido da operação
interestadual seguinte: uma venda para São Paulo, por exemplo. Essa
venda seria tributada a 12%, gerando crédito nessa alíquota em São
Paulo, mesmo que no Estado de origem, Goiás, não tenha sido pago o
imposto nesse percentual.
"Isso é algo que pode acontecer porque na verdade a guerra fiscal
entre os Estados ainda existe. O que se tentou combater com a nova
resolução foi somente a guerra fiscal dos portos", resume o
tributarista Fernando Ayres, do Mattos Filho Advogados. Alessandra
acredita que há muitas questões nebulosas, o que pode resultar em
questionamentos judiciais sobre a constitucionalidade da resolução ou
tornar inaplicável a unificação de alíquotas.
"A resolução delega ao Confaz a definição de critérios e
procedimentos em um processo de certificação de conteúdo de
importação", diz Alessandra. As empresas, conta, não têm ideia nenhuma
de como essa certificação será feita. "Isso existe em alguns setores,
como a indústria do petróleo, por exemplo, mas é um processo
extremamente complexo, cheio de procedimentos. O conteúdo de importação
é dado por empresas certificadoras especializadas. Será que isso será
viável em outros tipos de mercadorias e bens?"
Outra questão polêmica, levanta Alessandra, fica por conta da
definição de existência de similar nacional pela Câmara de Comércio
Exterior (Camex). Esse órgão já participa do exame de fabricação
nacional de bens de capital. Essa verificação é feita quando o
importador da máquina quer um benefício tributário de redução do
imposto de importação. Nos últimos meses, importadores de bens de
capital já apontam atrasos no exame desse benefício, o que aumenta o
receio de que o órgão pode não dar conta da verificação de existência
de similaridade nacional para as diversas mercadorias desembarcadas. "A
importação é muito dinâmica e não se sabe se os órgãos vão conseguir
acompanhar isso."
Trinchão, coordenador do Confaz, diz não ter nenhuma resposta às
primeiras dúvidas sobre a resolução, que entra em vigor em 2013. "A
redação da resolução não foi muito feliz. O Confaz não participou da
aprovação da medida, mas recebeu atribuições", diz ele, também
secretário de Fazenda do Maranhão. "Isso levará muito tempo de análise
do grupo técnico do Confaz e muita discussão até a chegada de um
consenso. Há várias situações práticas e nem sabemos como o Confaz vai
formalizar essa regulamentação: se por meio de ajuste ou protocolo, por
exemplo."